domingo, 28 de fevereiro de 1999

CLÁSSICOS: O QUE TERÁ ACONTECIDO A BABY JANE / O que terá acontecido a Hollywood?


Rever em vídeo filmes como Baby Jane só faz aumentar a crença de que a meca do cinema virou uma indústria de fim de semana. E bem chinfrim.

Recentemente, descobri que meus alunos adolescentes de classe média-alta nunca haviam ouvido falar em Fred Astaire, Gene Kelly, ou Katharine Hepburn. Nada de mais, a não ser que estamos tratando de monstros sagrados do cinema. Hepburn, por exemplo, ainda hoje é recordista do Oscar, com nada menos que quatro estatuetas em seu currículo. E continua viva. Portanto, é possível que este pessoal também não conheça gente da estirpe de uma Bette Davis ou Joan Crawford. Estas duas foram sinônimo de Hollywood durante décadas, e graças a Deus existe o vídeo para que possamos lembrá-las.
Bette morreu dez anos atrás. Suas interpretações mais conhecidas são, possivelmente, Jezebel e Servidão Humana. Joan faleceu antes, em 1977, tornando-se lenda por Almas em Suplício e Johnny Guitar
Se bem que o que consolidou o mito Joan Crawford foi a biografia de sua filha, que se transformou em um dos filmes mais vamps da história. Chama-se Mamãezinha Querida, conta todos os podres de uma grande estrela, e você pode alugar nas locadoras. A filha de Bette também publicou um relato nada louvável da mãe, mas que felizmente (para Bette e para os fãs) não chegou às telas.
Em 1962, as duas atuaram juntas pela primeira e última vez em um filme memorável chamado O Que Terá Acontecido a Baby Jane?. Certo, a produção é antiga, mas a cópia está ótima. Rivais durante décadas, Bette e Joan nutriam entre si um ódio sem limite. Os bastidores da filmagem de Baby Jane constituem um capítulo à parte sobre o glamour da sétima arte. Naquela época, ambas estavam com 55 anos e cada vez mais dificuldades em conseguir um bom papel, devido à idade. Bette havia acabado de colocar um anúncio em jornal, procurando emprego de atriz.
Robert Aldrich, o diretor de Baby Jane, viu as possibilidades de unir duas lendas vivas e tentou vender o roteiro a Jack Warner, dono do estúdio com o mesmo nome, e famosíssimo por sua truculência. Warner respondeu que não daria um níquel furado por aquelas "duas velhotas gastas". Aldrich não teve outra alternativa a não ser financiar o projeto de seu próprio bolso, e depois vender os direitos de distribuição para a Warner. Baby Jane conseguiu ficar entre as maiores bilheterias do ano, além de render cinco indicações ao Oscar.
O filme, em preto e branco, conta a saborosa saga de duas irmãs e sua relação turbulenta. As duas vão alternando sucesso e fama em diferentes fases da vida, sempre causando inveja na outra, até que um misterioso "acidente" de carro deixa a personagem de Joan Crawford permanentemente em uma cadeira de rodas. E quem cuida dela? Claro, sua detestável irmã Bette.
Entre outras cenas antológicas, a mais celebrada ocorre quando Bette serve um rato de jantar à faminta Joan, seguido dos berros de Joan e das gargalhadas de Bette. Aliás, Baby Jane une com perfeição terror à comédia. É difícil classificar o filme devido ao seu corrosivo humor negro. Talvez seja um "terrir". E, evidentemente, o veículo perfeito para juntar as duas estrelas.
Bette exagerou na maquiagem e criou uma Baby Jane assustadora, enquanto Joan não abria mão de sua vaidade - o que também cria um efeito macabro, como se pode conferir. As más línguas narram como todos os dias, durante as filmagens, cada uma ligava para o diretor e falava horrores da outra. Há uma cena em que Bette espanca a irmã sem piedade, inclusive chutando-lhe a cabeça. Tudo estava programado para que Joan ficasse deitada, enquanto Bette fingia os golpes, mas Joan desistiu no último minuto. Tinha medo de que Bette realmente batesse nela. Então providenciaram um boneco. Bette chutava tão forte que alguns membros da equipe temeram que ela quebraria o pé. Joan olhou tudo de longe, fascinada.
Joan vingou-se pouco tempo depois. Em uma cena sem cortes, Bette tem que carregar a irmã desmaiada até uma escada. Joan fez o possível para tornar-se ainda mais pesada: parece que até escondeu pesos nas roupas. E, no meio do caminho, tossiu e abriu os olhos, para que tivessem de rodar tudo de novo. Pobre Bette.
Mas minha anedota preferida refere-se a uma das cenas finais. Na praia, jogada na areia, moribunda, Joan narra a Bette os detalhes sobre o acidente de carro. É o momento culminante de Joan, em um monólogo que dura quatro páginas de roteiro. Bette tem que sentar-se e ouvir. Sua única interrupção deve ser: "Então durante todos esses anos nós poderíamos ter sido amigas?". Joan temia que Bette faria algo para roubar-lhe a cena. Porém, durante o primeiro take, Bette comportou-se exemplarmente, enquanto Joan declamava seu emocionante monólogo, sem errar uma palavrinha sequer.
Aldrich gritou "Corta!" e "Maravilhoso!" quase ao mesmo tempo. Bette, ignorando Joan, virou-se para o diretor e disse: "Obrigada, Bob". Mas foi mesmo Joan quem riu melhor e por último. Bette foi indicada ao Oscar de melhor atriz por Baby Jane; Joan foi esquecida. Logo, Joan tratou de telefonar para as outras concorrentes e oferecer-se a aceitar a estatueta em nome delas, que estariam ausentes. Não deu outra: Anne Bancroft (mulher de Mel Brooks) foi a vencedora, e o rosto deslumbrante de Joan apareceu estampado em todas as revistas e jornais do dia seguinte. E Bette deixou de receber seu terceiro Oscar.
Vale muito a pena assistir a O Que Terá Acontecido a Baby Jane?, um filme que dá de dez na enorme maioria das produções contemporâneas. E você ainda leva de bandeja o brinde de ver dois monstros sagrados do cinema em ação.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 1999

OSCAR 99: NOVOS FILMES, VELHOS TEMAS

Surpresa mesmo, só duas na lista do Oscar: a campanha tão boa de A Vida é Bela, que resultou em indicações para Melhor Filme e Filme Estrangeiro (pela segunda vez na história); e a esnobada dirigida a Truman Show.
Fernanda Montenegro tinha chances de ser indicada, e é um alívio ver seu nome lá. Nunca uma atriz latino-americana havia aparecido nesta lista. É quase impossível que vença, e seu nome representa o maior azarão nesta categoria, mas já é uma honra indiscutível, e certamente fará com que mais público assista a Central do Brasil.
Para Filme Estrangeiro, a estatueta já seria nossa se não fosse um lamentável detalhe: a inclusão de A Vida é Bela. Infelizmente, o italiano é franco favorito e o Brasil deve ficar de mãos abanando de novo. Não se trata de patriotismo. A verdade é que Central do Brasil é maravilhoso, muito superior aos nossos concorrentes de anos passados, como O Quatrilho e O Que É Isso, Companheiro?, e merece mais este prêmio.
O melhor filme de 1998, The Truman Show - O Show da Vida, ficou praticamente de fora da corrida (só foi nomeado em três categorias). Sua inclusão era tida como certa, assim como a de Jim Carrey, que, afinal, havia levado o Globo de Ouro. Uma tremenda injustiça.
Com isso, O Resgate do Soldado Ryan e Shakespeare Apaixonado parecem levar alguma vantagem sobre os outros concorrentes. Mas este ano, ao contrário de 98 - a consagração de Titanic -, ninguém poderá cantar vitória antes da hora. Até A Vida é Bela pode atrapalhar o sono de Spielberg.
Mas vejam só o conservadorismo da academia: dos cinco indicados a melhor filme, três são sobre a Segunda Guerra, e os outros dois tratam do período elizabetano. Uma pena não haver espaço para a atualidade inovadora.