terça-feira, 15 de junho de 2004

CRÍTICA: ALEXANDRE / Stone, o ousado

Antes de defender o Oliver Stone, gostaria de lembrar que prometi, nos anos 90, nunca mais ver um filme dele. Mas fiz as pazes com ele depois de rever “JFK” (“Platoon” eu vi de novo e continuei achando a mesma droga). Tudo bem que minha nova aceitação ao Stone pode ser causada pelo fato que tá cheio de americano odiando o homem, já que ele critica abertamente o Bush e fez um documentário elogioso logo sobre o Fidel. Mas o sujeito é ousado. Filmar a vida de Alexandre Magno é mais ou menos como filmar a de Napoleão - um prato cheio pra crítica acusar o diretor de megalomania. Mas vamos ser justos: “Alexandre” até que é bem interessante.

Além de mostrar a vida difícil dos cavalos de 350 a. C., que recebiam nomes como Bucéfalo e tinham que enfrentar elefantes em batalhas, “Alex” fala da história de Alexandre, o Grande, que conquistou 90% das terras conhecidas de seu tempo. Isso é motivo de orgulho? Bom, depende pra quem. Podia ser pros gregos, não pros povos conquistados. É como se hoje a gente olhasse pro que os americanos fazem com o mundo e dissesse, “Pô, mas esses cabras-da-peste são porreta! Qual será o próximo país que eles vão invadir, quer dizer, conquistar?”. As semelhanças entre o grego arretado e o Bush não terminam aí. Alex às vezes devolvia o poder ao antigo líder pra cultivar aliados. Parece familiar? Não vai ter eleição no Iraque? Ainda que o Bush não chame todas suas novas terras de “Bushlândia”, como Alexandre fazia com suas “Alexandrias”, Alex teve a brilhante idéia de dominar uma civilização por meio da cultura. Sabe, como os EUA fazem através de Hollywood? Então, infelizmente o filme não explora bem isso. E é justo na indecisão ideológica que “Alex” se perde. Stone vangloria muito mais que condena o imperialismo. É verdade que, quando a narração em off diz, “Aos 25 anos, Alexandre já era o rei de tudo”, a câmera exibe um campo de mortos. Mas pra cada uma dessas contradições temos dez instantes contando como Alexandre era mais que grande, era enorme. Isso se explica porque o Stone, no fundo, tem adoração pelo poder. Em “Wall Street”, por exemplo, ninguém brilha mais que o capitalista selvagem do Michael Douglas, certo?

Outro problema do filme é a preguiça. O Stone enche a tela de nomes e datas, e ainda assim não esclarece nada. O pior é a narração babona do Anthony Hopkins. E, se a gente quer ter um parâmetro de como o Anthony tá ruim, é só comparar com a Angelina Jolie, que faz a mãe (parecendo namorada mais nova) do Alex. A Angelina, ultra-exagerada, meio que mastiga o cenário e rouba todas as cenas. Só não entendi porque ela imita o sotaque do Drácula. No filme, todo mundo fala inglês porque, lógico, era o que os gregos usavam pra se comunicar naquela época. Já os macedônios têm sotaque irlandês, uma salada. O mais irlandês de todos é o do Colin Farrell (“Por um Fio”, “Demolidor”), que faz o papel-título. Pra mim o Colin é século XX demais pra convencer como grego da antiguidade. Mas, pelo menos, o menino que faz o Alex mirim é a cara do Colin.

Claro que nada disso, ideologia, interpretações, importa. Pelo que pude perceber na sessão, o filme será debatido pela ótica do homossexualismo. Stone deixa claro que o grande amor da vida do Alex foi um amigo de infância. O sujeito se casa com o sexo oposto só pra reproduzir e formar alianças. E o público atual, homofóbico, ficou nervoso com essa revelação. Eram gemidos e uivos de pavor a cada troca de olhar entre dois homens. Ahn, gente, Alex não foi um guerreiro pior ou melhor por ter sido bi. Isso era comum na Grécia daquele tempo, e aposto que, se em 350 a. C. houvesse cinemas passando filme mostrando um homem apaixonado por outro, o respeitável público de então não se escandalizaria. E olha que o Stone não é nada explícito. Se com olhares e abraços entre os dois a platéia já tava tendo um chilique, se houvesse beijo o pessoal ia ter um ataque epilético. Aí sim o espectador sairia horrorizado, reclamando das “cenas fortes” à la “Cazuza”. Prum filme de 150 milhões de dólares, acho que o Stone foi muito audaz. Mas eu não canso de me impressionar. Tem tromba de elefante cortada ao meio, tem neguinho perdendo membros do corpo, e o público se choca com as declarações de amor do Alex pro seu amigo?! Deixa quieto. Bom, depois de “Tróia” e deste “Alexandre”, a gente já tá doutor em história grega. E tudo graças a Hollywood, aquele império tão bonzinho...

domingo, 13 de junho de 2004

CRÍTICA: DIÁRIOS DA MOTOCICLETA / Ideal revolucionário pode

Vi “Diários de Motocicleta” em Floripa porque é o jeito. Talvez depois de ganhar a Palma de Ouro em Cannes ele estréie em Joinville. Quero dizer, não acho que vai ganhar, logo, adeus Joinville. “Diários” não parece ser o tipo que triunfa em festivais. Tomara que eu esteja errada, mas ele é meio light, não inflama. Antes de falar mais uma palavra, devo resumir a trama pra quem confunde o filme com “Selvagem da Motocicleta”. Bom, é sobre uma viagem de moto que um Che Guevara novinho e seu amigo bonachão fizeram da Argentina até a Venezuela em 1952. Imagino que todo mundo que vai ver esta aventura saiba bem quem foi Che e o que ele representa, não? Ele é um ícone, um cara que morreu lutando por justiça social, e a camiseta com o rosto dele não me deixa mentir. Mas, aos 23 anos, ele ainda era um quase médico descobrindo suas raízes. Só que não dá pra esquecer o que Che se tornou enquanto a gente o vê jovem. Por isso fica esquisito, e divertido, ouvir a mãe dele pedir: “Ponha o cachecol, meu filho”. Nessa hora, no começo do filme, uma amiga me disse, ironicamente: “Putz, como que um rapaz que vem de uma família estruturada vira comunista?!”.

“Diários” é encantador, apesar de não se aprofundar em nada. Tanto que ouso dizer que a verdadeira alma do filme é o amigo Granado, interpretado por um excelente Rodrigo de la Serna (Gael García Bernal, que faz Che, está igualmente ótimo, mas claro que o Che real era mais lindo). É Granado que, velhinho, escreveu suas memórias. Hoje ele é um simpático ancião que vive em Cuba, segue leal a Fidel, e acredita que a luta continua, o ingênuo. Ou seja, é no mínimo ousado o Walter Salles (“Central do Brasil”) fazer um filme que fala em revolução, nem que seja de passagem, numa época como a nossa. Ué, o comunismo não tá morto e enterrado? O anti-comunismo, inclusive, não se transformou na maior religião do planeta? O idealismo não foi substituído pelo cinismo? A verdade é que eu a-do-ro ver uma obra como “Diários” e ler as resenhas que pipocam na grande mídia pra ver como os críticos profissionais saem dessa sinuca de bico. Olha só, eles não podem de maneira alguma louvar a revolução – imagino que se benzam três vezes ao ouvir o palavrão “comunismo”. Mas de certo modo o ideal revolucionário ainda soa charmoso, desde que não passe de ideal, né? Logo, eles falam dos ideais do Che como se ele pretendesse promover mudanças lá longe, em Marte talvez, e isso sim pode. É até bonito. Os mesmos críticos gastam linhas se perguntando se “Diários” seria um filme brasileiro da gema, já que é falado em espanhol e financiado por países ricaços. Ahn, isso importa? É relevante mesmo discutir se o Walter, herdeiro do Unibanco, tem direito de fazer um ou mais filmes sobre, argh, pobres? Pelo que sei, praticamente todo mundo que faz cinema é burguês. A crítica é burguesa, eu inclusa, o público idem. Como vai demorar um bocado pra mudar isso, não daria pra liberar o Walter da função de bode expiatório?

Devo acrescentar que chorei feito um trapinho no final, pra variar. Mas teve uma cena que me incomodou um pouco, quando o Che, nadando, cruza um rio à noite. É muito “Rocky” pro meu gosto. Sabe aquela ladainha de manual de auto-ajuda que clama que querer é poder? Se fosse, a gente não estaria nesse buraco, eu acho. Além do mais, a cena cai na armadilha de glorificar Che, ou seja, de vangloriar um único indivíduo como se fosse a salvação da lavoura, algo que a gente sabe tratar-se de um clichê burguês.

Mas não se preocupem que “Diários” não vai fazer ninguém pegar em armas. Se bem que no único discurso do Chezinho no filme ele dá a mensagem: que tal nós latino-americanos pararmos de nos separar? Somos todos ferrados, todos subdesenvolvidos, todos muito parecidos. Os brasileiros também. Afinal, a gente fala uma língua diferente, mas não incompreensivelmente diferente. Então a quem interessa detestar argentinos ou martelar que Bolívia e Colômbia são sinônimos de cocaína? Uma das falas que mais gosto do Che no filme é quando ele olha pras ruínas incas, e em seguida pra Lima, Peru, e diz: “Destruíram uma civilização pra construir isso?!”. Ele podia estar falando de São Paulo, Brasil. Ou de qualquer outra cidade daqui da América Latina.