quarta-feira, 27 de novembro de 2002

CRÍTICA: INSÔNIA / Durma-se com um barulho desses

Fui ver "Insônia" sem ler quase nada a respeito, e acho que você deveria fazer o mesmo. Quer dizer, pode ler isso daqui sem medo – leia, pelamordedeus! –, mas não se preocupe que não contarei nada que entregue a trama. O que você talvez precise saber? Que o Al Pacino faz um detetive que investiga um assassinato no Alasca? Então tá. Por causa de uma trapalhada no caso, ele passa a ter mais contato do que gostaria com o Robin Williams. E a Hilary Swank, a mocinha que levou o Oscar por fingir-se de mocinho em "Meninos Não Choram", é uma policial local que idolatra o Al. Pronto. Você já está encaminhado. Vá ver o filme, que é muito bom.

Quer mais algumas informações? Eu sou um poço sem fundo delas. O dado mais relevante é que esta é a terceira película do Christopher Nolan, o diretor do bárbaro "Amnésia", aquela produção de trás pra frente que foi a melhor do ano passado. "Amnésia", "Insônia" – fico preocupada com o próximo projeto do Nolan. Será "Catalepsia"? Predileção por títulos com doenças cheias de consoantes à parte, Nolan entrou na lista dos Jovens e Promissores Realizadores que Salvarão Hollywood, apesar do carinha ser inglês, ou quiçá justamente por isso.

Só existe um porém a separar Nolan e "Insônia" das indicações pro Oscar do ano que vem. É que este thriller dramático é um remake de um filme norueguês de 1997. Pô, 97, a gente pode pensar, é recente pacas, e parece que o exemplar escandinavo já era decente, não dava pros americanos só colocarem umas legendas? Tinham de gastar n vezes mais pra refazê-lo? Não, a lógica não é por aí. Lembre-se do Al. Ele necessita de veículos à altura do seu talento, e roteiros inteligentes andam em falta no mercado atual, coisa recente, sabe, das últimas duas décadas. Resta pegar o policial norueguês e traduzi-lo pro inglês. O problema é que eu, pessoalmente, não tenho coragem de elogiar "Insônia" – Versão Americana sem antes ver "Insônia" – Versão Escandinava. Vou explicar: é a Síndrome "Vanilla Sky". Fui uma das poucas pessoas na face da Terra a gostar daquele treco estrambólico com o Tom Cruise. Aí vi o original, o espanhol "Abra os Olhos", e você não imagina o meu susto. Fizeram uma refilmagem praticamente quadro a quadro! Isso não tira os méritos de "Vanilla", e creio que o charme do Tom justifica que os EUA comprem toda a produção iraniana e a refaça com ele no papel principal, mas e a criatividade, como é que fica?

Fora poder me alegrar com o rostinho bonito do Tom ou até do Al, a única vantagem que vejo de selecionarem filmes estrangeiros (leia-se: qualquer coisa não-americana) e refilmá-los em inglês é que eu, como habitante de Joinville, jamais teria a chance de assistir a uma produção espanhola ou norueguesa. Mas não sei se o pessoal pensa só em mim quando refilma.

Fiz minha lição de casa e descobri que há diferenças gritantes entre o "Insônia" original e esta versão com o Al. Quer um exemplo? Já que você insiste: no norueguês, o detetive precisa disparar um tiro pra ficar com a bala, e ele atira num cachorro latindo. No americano, pra gente não odiar o personagem central, o sujeito atira num cachorro já morto. Qual é mais sombrio? Se você deseja entender por que a cambada sai por aí atirando em cães, existe no filme uma sub-trama confusa que envolve três ou quatro pistolas de calibres diversos. Não tente compreendê-la, que não vale a pena.

A alma do filme pertence a Hilary Swank; são dela todas as nuances interpretativas. Claro que o Al também está ótimo quando diz ao criminoso: "Você é tão misterioso pra mim quanto uma privada entupida é pra um encanador", e sua perseguição nas toras de madeira é marcante. Ele faz como ninguém alguém que não dorme há seis dias numa cidadezinha onde o sol nunca se põe. Já permaneci umas 50 horas sem repouso e sei como ele se sente: via luzinhas, minha boca não fechava, perdi os reflexos. Os sintomas mostrados pelo filme são autênticos. Se bem que insônia é algo do passado desde que lançaram "Senhor dos Anéis"...

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