quarta-feira, 27 de novembro de 2002

CRÍTICA: QUARTO DO PÂNICO / Entrando em pânico

Assim como não vou mais adquirir uma Ferrari para me vingar do que a montadora está fazendo com o Rubinho, desisti de comprar uma mansão em Nova York após ver "O Quarto do Pânico". E deixo aqui a dica pra você – ó, nada de ter um compartimento secreto para guardar seu tesouro em casa. Isso é perigoso, mais aterrorizador ainda que aplicar dinheiro em fundos DI. É o que aprende a Jodie Foster neste filminho do mesmo diretor badalado de "Seven – Os Sete Pecados Capitais" e "Clube da Luta".

Vi o trailer de "Quarto do Pânico" tantas vezes que parece que eu conhecia o thriller inteirinho. Mas vou imaginar que você andou ausente do cinema nos últimos dois meses e passou longe da TV, e, por isso, ignora a trama. É bem simples: a Jodie faz uma mãe recém-divorciada que se muda com sua filha (isso não dá pra ver nos comerciais, admito; a menina é 100% andrógina) para um casarão que possui um cubículo high-tech. Dizem que os ricos têm dessas heranças dos castelos medievais. Em caso de invasão, eles se refugiam no bunker. Logo na primeira noite das novas moradoras, um trio entra no apartamento pra roubar uma antiga fortuna. As moças se trancam no quartinho. Adivinha onde está o dinheiro que os gatunos querem surrupiar? Acertou...

Pois é, trata-se de um bom ponto de partida. E lida com o pesadelo recorrente da porta que se fecha no exato instante em que alguém a ameaça. Por que, então, "Quarto" não poderia ser mais satisfatório? Mais divertido, até? O diretor não permite. David Fincher é respeitado por seu virtuosismo e sua paixão pelos detalhes. Em alguns momentos, parece que ele está gritando: "Olha por onde eu consigo enfiar a câmera! Não é bárbaro? Não sou o bom?". É sim, David. É trilegal ver o interior de uma fechadura e de um cabo de telefone, ou a câmera passando pela asa de uma chaleira. Eu tava quase aplaudindo e pedindo "Mais! Mais! Agora mostra os cupins comendo o corrimão por dentro!", quando me lembrei que os truques não estavam acrescentando grande coisa pro andamento da história.

Mas o principal problema do filme não está no David, e sim no roteiro chinfrim. Os personagens são rasinhos de dar dó. Vamos nos deter nos larápios. Há três: o ladrão bonzinho, o ladrão paspalhão e o ladrão psicopata. Nenhum deles diz direito a que veio. Os diálogos são bizarros, sem nexo, e as situações não são desenvolvidas, até porque existe uma total falta de comunicação. Sinta o drama. A Jodie tá no cubículo com a filha e com sete monitores de TV. Através de alto-falantes, ela pode conversar com os bandidões se quiser, só que opta por ficar num silêncio sepulcral. Pô, não dá pra usar argumentos do tipo "daqui não saio, daqui ninguém me tira"? Se fosse eu a trancafiada, iria tagarelar com os carinhas o tempo todo. Se eu cantasse, acho que eles abandonariam o imóvel no ato. Se eles insistissem em ficar, eu discursaria sobre o tema de "Clube da Luta", que é como o homem contemporâneo trata a dualidade de ser másculo e sensível nesta sociedade consumista. Vai me convencer que os vilões não partiriam em disparada na hora? Sim, disse o maridão, mas há o risco da menina sair correndo antes. Aliás, prefiro nem mencionar o dito-cujo, que viu este filme de quase duas horas e gostou dos... créditos iniciais?!

Admiro a Jodie de montão, mas ela tá desperdiçada na película. A pior perda, porém, ocorre com o Jared Leto, o ladrão palerma. O caso é tão sério que só notei que ele tava no filme quando li seu nome no final. O ator esteve infinitamente superior em "Réquiem para um Sonho". Mas talvez eu não tenha reparado nele porque a casa é muitíssimo mal-iluminada.

Na escuridão, fiquei lembrando de outros filmes que promovem a defesa da propriedade privada. Vou citar alguns: "Horas de Desespero", o austríaco "Violência Gratuita", e o campeão do fascismo "Sob o Domínio do Medo". A diferença entre eles e "Quarto" é que eles são ótimos, e este do David deixa um gostinho de desperdício. Mas não entre em pânico, que ele é melhor que "Esqueceram de Mim".

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