segunda-feira, 10 de março de 2008

EU, BUFFET

Ah, lembrei de mais uma história de horror que eu, mulher, tenho pra contar. Essa não é tão horrorosa. Na realidade, é mais engraçada que qualquer outra coisa. Aconteceu comigo uns dois anos atrás, no ônibus que pegava de Floripa a Joinville. Esse que eu pegava às vezes era o semi-direto, um pinga-pinga que parava em várias cidades. Levava três horas! Numa semana apareceu uma mulher em Balneário Camboriú pra sentar do meu lado. Eu tava meio que dormindo, ou tentando. A muié chega cheia dos cotovelos, derruba uma bolsa na minha perna, e eu continuo com os olhos meio fechados, tentando dormir. Ao que recebo uma forte cotovelada, dessas que não dá pra ignorar. Abro os olhos e a muié tá me oferecendo balinha. Eu digo: "Não, obrigada", tento voltar a dormir, e a mulher me dá OUTRA cotovelada, e insiste: "Pega, vai!". Putz, o que esse pessoal tem na cabeça? Acordar alguém com cotovelada pra oferecer balinha?!

Mas a semana seguinte foi pior. Já lá em Floripa sentou um velho hediondo do meu lado. Eu costumo ser muito tolerante. Não é do meu feitio chamar alguém nem de velho, nem de horrendo. Mas esse era. Ele disse ter 64 anos mas parecia ter no mínimo 10 anos mais. E era feio, coitado. Mas claro que eu não deixaria de conversar com alguém por ser feio ou bonito, ainda mais no começo da viagem, então eu, muito educada, respondia a todas as perguntas que o tio fazia. Era desses caras espaçosos, que falam super alto, todo mundo ouve. Bom, dá cinco minutos e o cara pega a minha mãozinha com as duas mãos dele e fica segurando! E eu lá, desesperadamente tentando soltar a minha pobre e sufocada mão, enquanto o velho usa a desculpa de que quer ver se minha mão é boa pra música (porque ele diz que toca violino). Detalhe: eu já tinha falado que era casada. Logo em seguida o sujeito belisca a minha perna e pergunta: "Você gosta de usar preto, é?". Nesse momento eu começo a arquitetar um plano pra sair dali rapidinho e nem presto mais atenção no que o sujeito diz. Acho que ele perguntou se eu tinha 22 anos - além de velho, cego! -, sendo que faz no mínimo uma década e meia que ninguém mais pensa que eu tenho 22. Acho que ele também disse que eu era linda e que mulher só com osso não tá com nada, mas não tenho certeza. Lembra daquele filme do Hitchcock em que uma senhora fala um monte de besteiras, mas a vítima só ouve a palavra “faca”? Foi assim que eu me senti. O velho falando sem parar e eu só pensando, “Segurou a minha mão! Beliscou a minha perna! Acho que tá dando em cima de mim. Quero dar o fora daqui!”.

E eis que, no meio do meu processamento de dados, o tio começa a explicar como são os movimentos do violino. Ele faz um gesto com as mãos, desses que fazem quando querem descrever o tamanho do pênis, e fala em movimento, velocidade, potência, e sei lá que mais, e aí eu penso: Não, esse cara tá de sacanagem comigo! Tem de ser alguma pegadinha. Deve ter alguma câmera de TV filmando a minha reação. Tentei ver se o cara tava fazendo algum chiste, falando ironicamente, mas não, ele tava seríssimo no seu plano de sedução. Notei que não seria seguro eu tentar dormir lá do lado dele, e pedi licença pra me sentar na cadeira da frente (usando como desculpa que havia dois ingleses lá com quem eu queria conversar). Daí eu fui, né?

Agora, não é chocante a minha reação? Olha só como a educação repressora que a mulherada recebe funciona! Obviamente o que eu deveria ter feito desde o começo, no episódio desesperador do sequestro da minha pobre mão, era dizer pro tio, em voz tão alta quanto a dele, pro ônibus inteiro admirar: "AHHHHHH! Solta a minha mão, seu asqueroso! Tá pensando o quê? Eu sou casada! E mesmo que não fosse, você é trinta anos mais velho que eu! Vai procurar sua turma! Mereço coisa melhor! Sai daqui, seu velho tarado!" Etc etc etc. E eu fico lá meio mortificada, mas toda educada, e ainda invento desculpinha pra sentar em outro lugar. E isso que eu me considero feminista desde os oito anos. Não é uma tristeza a nossa condição feminina? Esses velhos, e um monte de homens mais jovens, devem encarar a população feminina como um enorme buffet self service a seu dispor. Eles podem atacar à vontade, que o máximo de ruim que pode acontecer é alguma estúpida educadamente mudar de lugar num ônibus!

Depois narrei o episódio pro maridão, que não se abalou. Ele inclusive levantou a hipótese do velho ter feito tudo aquilo pra ficar com os dois lugares só pra ele.

10 comentários:

Suzana Elvas disse...

Lola, sorry, mas eu falo bem alto, mesmo. Uma vez um cara desses tava babando em mim, me virei pro rapaz que estava do meu lado e pedi pra trocar de lugar com ele, bem alto, porque "esse velho aqui do meu lado está sendo inconveniente" (tá, o "inconveniente" foi o máximo de educação que eu consegui ter).

Liris Tribuzzi disse...

Histórias de ônibus são as piores.
Já tem uns dois ou três anos (nossa! tô ficando velha!!!) e eu estava voltando da escola, que fica na zona norte de sampa, e indo para a casa da minha avó, que fica na zona leste, logo o trajeto é composto de metrô com direito a badiação na Sé e ainda mais uns 15 min de ônibus. Foi justamente nesses 15 minutinhos entre o metrô e o meu almoço que um chato se sentou ao meu lado.
O ônibus estava vazio e eu me sentei no banco atrás do banco alto, do lado da janela e comecei a ouvir meu inseparável discman. Um senhor estava sentado no bando atrás do meu e eu tinha a impressão de que ele me cutucava deliberadamente com a desculpa de que de perguntar as horas. Respondi educadamente umas duas vezes em menos de 5 minutos, além de mudar de posição várias vezes pra ele parar de me cutucar. Do nada ele resolve sair do lugar onde estava e se sentar ao meu lado. Na hora eu aumento o som que estava ouvindo e mirei na janela como se não tivesse percebido. Ele continuou a me cutucar, agora pra eu olhar pra ele . Conseguido o que queria, o dito cujo começa a falar coisas sem nexo envolvendo freiras, padres, 'pomba gira' e fazendo gestos obcenos. Depois dessa eu levantei correndo, até assustei o cara, e fui me sentar ao lado do cobrador, num banco bem visível até o meu destino . Depois dessa, nunca mais sento em bancos 'escondidos' sozinha.
Outro inconveniente do transporte coletivo lotado são os tarados de plantão, que tentam a todo custo esfregar seu símbolo máximo da sexualidade no maior número de mulheres possível. Eu cheguei a dar uma cutuvelada em um desses um dia indo para o cursinho no ano passado. Sorte do cara que eu errei. Tive que me levantar uns 3 pontos antes do que eu ia descer, num micro ônibus lotado pra poder me livrar do tarado. Só de lembrar já me dá nojo.

lola aronovich disse...

Su, essa coisa que aconteceu com o velho no onibus foi boa pra mim, porque me fez refletir sobre a minha passividade. Eu pensei: "Eu sou esse cordeirinho pronto pro abate?". E resolvi que nao. Ai o proximo momento incomodo foi com vendedor da Herbalife (que descrevo aqui: http://escrevalolaescreva.blogspot.com/2008/01/living-la-vida-lola-o-ponto-g.html. (se nao conseguir abrir o link, escreva no Busca herbalife, que aparece o artigo "O Ponto G"). Gracas ao episodio com o velho no onibus, consegui responder a altura.
Liris, a gente ta falando nos comentarios de "Todas as mulheres tem uma historia de horror" sobre isso que acontece com todas as mulheres que andam de onibus. Vai la!

Andie disse...

Na Cosmopolitan desse mes saiu um artigo exatamente sobre isso. A autora demonstrava exemplos de ataques onde as mulheres foram educadas demais pra tomar alguma atitude. Em um dos casos, a mulher estava sozinha no trabalho e entrou um homem falando que tinha entregar um pacote. Ela assinou, e ele pediu pra usar o banheiro. Em vez de dizer nao, dizer que ja estava de saida, ela mostrou-lhe o caminho e ainda foi usar o banheiro feminino. Assim que ela entrou o cara entrou atras, dizendo que o banheiro estava trancado. Ela, mais uma vez, quis ser educada e disse pro cara esperar. Quando ela saiu do banheiro, tinha agora um segundo homem, parceiro do primeiro, o os dois a atacaram ali mesmo.
A gente tem essa mania de querer ser educada, ou querer acreditar que podemos confiar nas pessoas, mas nesses casos tem que ser firme mesmo. Melhor ser grossa do que ser atacada, neh.

lola aronovich disse...

É, a gente é educada demais às vezes... Eu seria uma vítima das mais fáceis, porque acredito em tudo que as pessoas dizem. Se alguém pedisse pra usar o banheiro, eu deixaria na maior. É preciso ficar atenta.

Chicória disse...

Um velho também me agarrou, certa vez, e o máximo que fiz foi gentilmente me desvencilhar dele... Hoje quando penso nisso até me chateia, pois eu deveria ter pelo menos chutado o saco do infeliz ou então mordido a mão do desgraçado. Espero que não haja próxima vez, mas se houver, sabe, vou armar um barraco daqueles.

Camila disse...

Lola, essas coisas acontecem com tanta frequência que a gente passa a nao considerar anormal. Depois de ler esse post me lembrei de algumas situacoes em que sofri algum tipo de assédio; a pior de todas (a que me deixou com mais raiva) foi numa audiência criminal, quando o juiz me passou uma cantada na frente de todo mundo. Por nao querer prejudicar o cliente, me limitei a fazer cara feia. Já fui chamada de "doutorinha", já fui encoxada no ônibus, por um cara que segurou as minhas maos enquanto eu me segurava pra nao cair (ônibus muito lotado), já fui cantada na minha festa de casamento, na frente do meu marido, por um convidado bêbado. Blé.

Unknown disse...

Esses velhos são mesmo safados.

Dia desses um velho colocou a mãozona na cocha delícia de um amigo hetero. Tadinho. Ele disse que não sabia o que fazer. No final das contas só tirou a mão e desistiu de dormir =p.

Viu, não só vocês mulheres que sofrem.

Também odeio gente que insite em conversar. Sempre viajo munido de um livro, mp3 player e , quando em meios "seguros", notebook.

Ah. Esses ônibus semi-diretos são sempre os piores. Além de parar em tudo que é lugar, demorar mais, é o favorito da terceira idade.

Fiz essa linha esses dias e descobri que existe um ônibus "normal", bem. As três horas do semi direto não devem parecer tão longas assim neh.

Débora disse...

Muitas vezes eu nao reajo por medo de apanhar. Eu sei que nao é o certo, mas sobrevivo assim em meio a cantadas de chefe, colegas de trabalho e desconhecidos.
O mais triste é que muitas vezes ja corri risco de ser agredida e meu marido muitas vezes acaba ate me incentivando a me esquivar por medo de algum engraçadinho nao gostar do fora e me machucar. Triste minha condição Lola, pq sou cantada muitas e muitas vezes de maneira grosseira e nao posso dar um soco na cara de uns como tenho vontade

Leio Lola Leio disse...

hahahahaha A hipótese do seu marido soa surreal para mim!