segunda-feira, 30 de abril de 2018

O MAIS RECENTE VEXAME DE SARA WINTER

Sara Inverno se protegendo no chão da UFF

Nem sei se devo falar sobre isso, porque falar sobre Sara Winter (ou Bolsonaro, ou tantos outros reaças) equivale a promovê-la. Pra essa gente, não existe publicidade negativa. Falou mal, mas falou dela, tá valendo. 
Mas gostaria de compartilhar a opinião de pessoas envolvidas sobre o último vexame que ela protagonizou: uma palestra sobre "Feminismo e o design de Deus para a mulher", na Universidade Federal Fluminense.
Antes de mais nada, queria deixar algumas coisas claras: Sara nunca foi feminista. Ela era do Femen (que a expulsou), que não se considera feminista (mas sextremista, o que ninguém tirando elas sabe o que signfica). 
Sara era rechaçada por feministas, e sofria por não ser aceita. É que as feministas sabíamos que ela só queria chamar a atenção. E sabíamos que ela tinha sido neonazista, de direita, extremamente preconceituosa. Quando ela "se converteu", ou seja, deixou pra trás o movimento feminista, que nunca a aceitou, ela simplesmente voltou ao que era antes -- uma fervorosa fã de Bolsonaro. 
Hoje Sara vive de dar palestras (ela recebe por isso), dar testemunhos de fé em cultos e contar mentiras sobre feministas. Ela é tão mentirosa que em 2016 gravou um vídeo afirmando que o SuperPop interrompeu a gravação de um programa "sobre ela" para que eu e outra participante pudéssemos nos acalmar. 
O programa nunca foi ao ar (pro bem de Sara, porque ela foi completamente desmascarada lá), nós não estávamos nervosas, e a gravação foi interrompida porque o SuperPop tinha que fazer um programa ao vivo. Mas até numa coisinha tão simples e fácil de desmentir Sara insiste em faltar com a verdade. 
Parece que ela se filiou ao DEM e sairá candidata à deputada federal. Mesma coisa que o Kim, aquele líder do MBL. Serão colegas de partido. De fake news já são colegas faz tempo. 
Sobre o evento na UFF, Sara contou que militantes da esquerda a prenderam no prédio durante 7 horas. Aos sites de direita, ela narrou que "muitos dos integrantes do grupo não eram alunos, e sim militantes contrários a ela. A ativista afirmou que parte deles estava mascarada e portava pedaços de madeira e ferro. Uma parte do grupo também utilizou drogas no local". Nos vídeos que gravou aparecem estudantes segurando bandeiras. Parece que a madeira que segura a bandeira serve como arma.
Já os estudantes presentes disseram à mídia de esquerda que ela estava cercada por mais de trinta guarda-costas com cassetetes, sprays de pimenta, soco inglês e canivetes. 
Sara disse que passou fome, pois teve que ficar no prédio por 7 horas. 
7 horas sem comer não deve ter sido um sacrifício tão extremo pra ativista cristã, que ano retrasado ficou 22 horas em greve de fome para protestar contra o aborto. 
Mas "em nome de Jesus" Sara conseguiu sair da UFF. 

Texto da professora Renata Vereza, do departamento de História da UFF:

Hoje (sexta-feira, 27 de abril) presenciei cenas tristes na UFF. Algumas me chamaram mais atenção: a tal Sara postando vídeos onde fingia ser acuada e gritando "eu amo o machismo" inúmeras  vezes; a mesma moça mentindo em vídeo dizendo que seus companheiros haviam apanhado e que o prédio estava todo quebrado, quando todos nós que estávamos lá sabemos que isso não aconteceu; a felicidade das suas acompanhantes com toda a situação e com o número de views que os vídeos  estavam tendo; 
todos os xingamentos que os acompanhantes dela emitiam enquanto eu tentava impedi-los de ficar na janela para exatamente evitar qualquer provocação que pudesse acirrar ainda mais os ânimos; a ameaça que uma apoiadora dela, que chegou lá se dizendo assessora do presidente da Câmara de vereadores de Niterói, de que Deus estava me vendo; a saída  da tal moça envolta na bandeira de Israel, apesar de algumas pessoas pedirem para ela não fazer mais essa provocação. 
Mas os colegas que lá estavam, os alunos e os funcionários, estão todos de parabéns. Algo de bom sai disso tudo, que é a capacidade de atuarmos conjuntamente.
Acredito firmemente que a universidade  não é  espaço para expressão da fé.  Qualquer pessoa que use esse espaço para proselitismo religioso não deve ser tolerada. Ainda mais se este serve de matriz para a defesa de valores autoritários, excludentes, preconceituosos e, no limite, geradores de violência.
O impedimento desse proselitismo  não constitui cerceamento à liberdade de expressão  mas a afirmação intransigente  do caráter laico da universidade pública , sem o qual a pluralidade verdadeira de ideias não é  possível.

Esta é a versão do estudante Bruno Araújo, do curso de História da UFF, presente no momento da chegada de Sara Inverno:

Ontem uma fascista disse que foi feita refém por estudantes da UFF. Verdades e mentiras.
1 - A imagem que ela mesma publicou mostra que o espaço da porta está desobstruído. A porta estava aberta o tempo inteiro para que ela pudesse sair. Nós, nesse momento, estávamos sentados debatendo política. Editei com uma seta pra ficar mais nítido.
2 - Os seguranças dela estavam armados -- terá BO, a polícia federal achou e os próprios apoiadores dela assumiram o porte de armas brancas. Nós estávamos com um megafone, cartazes e nossas vozes. 
3 - A diretora do Instituto de Ciências Humanas e Filosofia chamou a Polícia Federal por conta do porte de armas brancas pelos seguranças e NÃO porque ela estava sendo impedida de sair.
Não acredite em tudo o que um ao vivo do Facebook diz. 
As fake news e o medo não podem ditar nossas ações.

sexta-feira, 27 de abril de 2018

UTOPIAS E DISTOPIAS FEMINISTAS, DISCIPLINA COMPLETA DE PRESENTE PRA VOCÊ

Este semestre eu finalmente comecei a dar aula na pós-graduação! 
Eu não tinha tanto interesse porque no meu departamento a gente já trabalha demais (temos em média 16 horas em sala de aula por semana), e também porque atuo fortemente na extensão. Mas os queridos coordenadores me fizeram uma oferta que eu não podia recusar: me deram carta branca pra bolar a disciplina que eu quisesse.
Como tenho lido algumas obras de ficção científica nos últimos dois anos, pensei em utopias e distopias feministas. Mas meu conhecimento sobre o tema ainda era muito superficial. Então sondei especialistas com quem tenho contato na internet, como Valéria Fernandes e Antônio Luiz M. C. Costa; perguntei pra Amanda Pavani, doutoranda na UFMG, e ela falou com sua amiga Melissa de Sá, que me passou excelentes recomendações. Também falei com a Aline Valek, que me lembrou que a tese de doutorado da Ana Rusche é sobre distopias feministas. Tirei mil e uma ideias desse trabalho incrível. 
O resultado é que comecei a dar o curso em fevereiro e tem sido ótimo. A turma está cheia e tem mestrandos e doutorandos de várias áreas diferentes (letras, lógico, mas também estudos da tradução, sociologia, pedagogia, jornalismo). São todxs brilhantes, super participativxs! O único porém é que a maior parte dos textos são em inglês e não é todo mundo que domina a língua. 
Mas estou adorando, apesar do trabalhão que é. E está tudo dando tão certo que já acertei para oferecer uma segunda parte do curso no semestre que vem. E como recebi muita ajuda para montar todo o cronograma do curso, quero compartilhar isso com vocês. Então lá vai, com muita generosidade, toda a minha disciplina (com bibliografia, com links!) sobre utopias e distopias feministas. Pra quem está na academia, pode adotar! Pra quem não está, fica o convite pra ler todas essas obras maravilhosas.

DISCIPLINA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS   2018.1    
Teoria dos Gêneros Literários I: Utopias e distopias feministas
Professora responsável: Lola Aronovich 
Carga horária: 64h. No. de créditos: 4

Ementa: Distopias e utopias são gêneros literários que foram apropriados pelas feministas já no início do século XX. Nada mais adequado: este tipo de ficção científica conectada à crítica socio-econômica permite que mulheres imaginem universos alternativos bastante radicais no futuro. É uma chance de revisar o passado e de especular sobre o futuro próximo, pensando em corpos alienígenas e identidades de gênero menos binárias, alternativas para políticas reprodutivas, e saídas para cenários apocalípticos. A disciplina tem como objetivo estudar algumas obras de ficção representativas deste gênero híbrido e analisar não apenas gêneros (genres) literários (e um filme), como também gênero (gender), entendido como uma construção social, cultural e histórica do que é feminino e masculino.

Forma de avaliação: Cada alunx deverá apresentar individualmente um seminário de 20 a 30 minutos relacionado a um dos textos teóricos, fazendo a ligação entre a teoria e a obra literária em questão (50% da nota). Além disso, o aluno deverá trazer por escrito reflexões acerca dos textos e duas ou três perguntas bem elaboradas para cada aula (40% da nota). 10% da nota será pela participação em sala de aula. 

Corpus
O Sonho de Sultana (conto de 1905 da indiana Rokheya Shekhawat Hossein)
A Mão Esquerda da Escuridão (romance de 1969 da americana Ursula K. Le Guin)
When It Changed (conto de 1972 da americana Joanna Russ)
The Women Men Don't See (conto de 1974 da americana James Tiptree Jr, ou Alice Bradley Sheldon)
Woman on the edge of time (romance de 1976 da americana Marge Piercy)
Kindred (romance de 1979 da afro-americana Octavia Butler)
O Conto da Aia (romance de 1985 da canadense Margaret Atwood)
Duas Palavras (conto de 1988 da chilena Isabel Allende)
Mad Max: A Estrada da Fúria (filme de 2015 do australiano George Miller)
As Filhas de Eva (Only Ever Yours, romance de 2015 da irlandesa Louise O'Neill)

Cronograma
- Introdução à disciplina

- “O Sonho de Sultana”
Texto: Em busca das utopias da/na América Latina: identidades, literatura e cultura, de Cavalcanti e Cordiviola.
Texto: Contando estórias feministas, de Hemmings

- A Mão Esquerda da Escuridão
Texto: Is gender necessary, de Le Guin.  
Texto: Gender & Genre, de Harrow

- A Mão Esquerda da Escuridão
Texto: World reduction in Le Guin, de Jameson.
Texto: Capítulo  2 - The Left Hand of Darkness: utopia e imaginação, pgs. 26 a 42, da tese Utopia, feminismo e resignação em The Left Hand of Darkness e Handmaid's Tale, de Rusche

- “When It Changed” e “The Women Men Don't See”
Texto: Towards an Aesthetic of Science Fiction, de Russ.
Texto: Reprodução, Ciência e Tecnologia em Herland, de Charlotte Perkins Gilman e When It Changed, de Joanna Russ, de Sawada, Sousa e Rocque.

- Woman on the Edge of Time
Texto: Utopia in dark times: Optimism/Pessimism and Utopia/Dystopia, de Levitas e Sargisson

- Woman on the Edge of Time
Texto: Utopia Now, de Jameson.
Texto: Varieties of the Utopian, de Jameson. 

- Kindred, de Octavia Butler.
Texto: Critical essay, de Crossley.

- Kindred
Texto: Concrete Dystopia: Slavery and Its Others, de Varsam.

- O Conto da Aia, de Margaret Atwood.
Texto: Utopias of/f Language in Contemporary Feminist Literary Dystopias, de Cavalcanti. 
Texto: Capítulo 4 - Feminismos e teorias de gênero nos dois romances, pgs. 63 a 95, da tese Utopia, feminismo e resignação em The Left Hand of Darkness e Handmaid's Tale, de Rusche

- O Conto da Aia 
Texto: Chapter 3: The Handmaid's Tale in dialog with speculative fiction, pgs. 26-47. Chapter 4: Women disunited: the matriarchy of Gilead, pgs. 48-62 da tese de Callaway.
Texto: “Just a backlash”: Margaret Atwood, Feminism and The Handmaid's Tale, de Neuman.

- O Conto da Aia e “Duas Palavras”, de Isabel Allende
Texto: A visão distópica de Atwood na literatura e no cinema, de Campello
Texto: What Can a Heroine Do? Or Why Women Can't Write, de Russ.

- Mad Max
Texto: Film bodies: Gender, genre and excess, de Williams

- As Filhas de Eva
Texto: A Cyborg Manifesto, de Haraway.
Texto: Genre Blending and the Critical Dystopia, de Donawerth.

- As Filhas de Eva
Texto: Como os Corpos se Tornam Matéria: Entrevista com Judith Butler, de Prins e Meijer


Bibliografia

ALLENDE, Isabel. Duas Palavras (conto). Contos de Eva Luna. Trad. Rosemary Moraes. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001 (1988). Acesso em: 13 nov 2017.

ATWOOD, Margaret. O conto da aia. Trad. Ana Deiró. São Paulo: Rocco, 2005. 

BUTLER, Octavia. Kindred: Laços de Sangue. Trad. Carolina Caires Coelho. São Paulo: Morro Branco, 2017 (1979). 

CALLAWAY, Alanna. Women disunited: Margaret Atwood's The Handmaid's Tale as a critique of feminism. Master theses, San Jose State University, 2008. Acesso em: 13 nov 2017.  

CAMPELLO, Eliane. A visão distópica de Atwood na literatura e no cinema. Interfaces Brasil/Canadá, Belo Horizonte, v. 1, n. 3, 2003. Pg. 197-210. Acesso em: 13 nov 2017.

CAVALCANTI, Ildney. Utopias of/f Language in Contemporary Feminist Literary Dystopias. Utopian Studies, 11.2 (Spring 2000), Pennsylvania State University Press.

CAVALCANTI,  Ildney, CORDIVIOLA, Alfredo. Em busca das utopias da/na América Latina: identidades, literatura e cultura. Morus Utopia e Renascimento, vo.l. 6 (2009). p. 1-10. Acesso em: 13 nov 2017.

CROSSLEY, Robert. Critical Essay (sobre Kindred). University of Massachusetts. 2003. Acesso em: 13 nov 2017.

DONAWERTH, Jane. Genre Blending and the Critical Dystopia. Dark Horizons: Science Fiction and  the Dystopian Imagination. New York and London: Routledge, 2003. p. 29-46. 

HARAWAY, Donna. A Cyborg Manifesto: Science, Technology and Socialist-Feminism in the Late Twentieth Century.  The Cybercultures Reader. Ed. David Bell, Barbara Kennedy. London and New York:  Routledge, 2000. p. 291-324. Acesso em: 13 nov 2017. 

HARROW, Sharon. Gender & Genre. ABO: Interactive Journal for Women in the Arts, 1640-1830. Scholar Commons. Volume 2.1 (March 2012). Acesso em: 13 nov 2017.

HEMMINGS, Clare. Telling feminist stories: contando estórias feministas. Revista Estudos Feministas. Florianópolis, vol. 17, no. 1, jan-abr 2009. Acesso em: 13 nov 2017.

HOSSEIN, Rokheya Shekhawat. Sultana's dream. Sultana's dream; and Padmarag: two feminist utopias. Trad. Barnit Bagchi. New Delhi: Penguin, 2005 (1905). Em português: https://archive.org/details/OSonhoDaSultana Acesso em: 13 nov 2017.


JAMESON, Fredric. Introduction: Utopia Now e Variaties of the Utopian. Archaeologies of the future: the desire called utopia and other science fictions. London: Verso, 2005. Acesso em: 13 nov 2017. P. xi-9.

_____. World Reduction in Le Guin. Archaeologies of the future: the desire called utopia and other science fictions. London: Verso, 2005. Acesso em: 13 nov 2017. P. 267-280.

LE GUIN, Ursula K. Is Gender Necessary? Redux. Dancing at the Edge of the World: Thoughts on Words, Women, Places. New York: Grove Press, 1989. P. 7-16. Acesso em: 13 nov 2017.

_____. A Mão Esquerda da Escuridão. Trad. Susana Alexandria. São Paulo: Aleph, 2005. Acesso em: 18 fev 2018.

LEVITAS, Ruth, SARGISSON, Lucy. Utopia in Dark Times: Optimism/Pessimism and Utopia/Dystopia. Dark Horizons: Science Fiction and the Dystopian Imagination. Nova York e Londres: Routledge, 2003. p. 13-27. 

MILLER, George, dir. Mad Max: Estrada da Fúria. Kennedy Miller Productions, Village Roadshow Pictures. Austrália/EUA, 2015. 120 min.

NEUMAN, Shirley. “Just a backlash”: Margaret Atwood, Feminism and The Handmaid's Tale. University of Toronto Quarterly 75.3, p. 857-868, 2006. Acesso em: 13 nov 2017. 

O'NEILL, Louise. As Filhas de Eva. Lisboa: Civilização, 2015. (Em inglês, Only Ever Yours). 

PIERCY, Marge. Woman on the edge of time. Nova York: Knopf, 1976.

PRINS, Baukje, MEIJER, Irene Costera. Como os Corpos se Tornam Matéria: Entrevista com Judith Butler. Revista Estudos Feministas, vol. 10, no. 1. Florianópolis, jan 2002. Acesso em: 13 nov 2017. 

RUSCHE, Ana. Utopia, feminismo e resignação em The Left Hand of Darkness e The Handmaid's Tale. Tese de doutorado. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2015. Acesso em: 13 abr 2018. 

_____. Margaret Atwood: de quanto o real supera a ficção. Pernambuco: Suplemento Cultural do Diário Oficial do Estado. Dezembro 2017. Acesso em: 21 jan 2018.

RUSS, Joanna. Towards an Aesthetic of Science Fiction. Science Fiction Studies, no. 6, vol. 2, part 2, July 1975. Acesso em: 13 nov 2017. 

_____. What Can a Heroine Do? Or Why Women Can't Write. Images of Women in Fiction: Feminist Perspectives. 1972. p. 80-93. Acesso em: 13 nov 2017. 

_____. When It Changed (conto). Again, Dangerous Visions, ed. Harlan Ellison, 1972. p. 1-7. Acesso em: 13 nov 2017. 

SAWADA, Anunciata, SOUSA, Isabela Cabral Félix, ROCQUE, Lucia. Reprodução, Ciência e Tecnologia em Herland, de Charlotte Perkins Gilman e When It Changed, de Joanna Russ. Anais VIII Congresso Iberoamericano de Ciência, Tecnologia e Gênero. Abril 2010. Acesso em: 13 nov 2017. 

TIPTREE, James Jr. (Alice Bradley Sheldon). The Women Men Don't See. 1974. Acesso em: 13 nov 2017.

VARSAM, Maria. Concrete Dystopia: Slavery and Its Others. Dark Horizons: Science Fiction and  the Dystopian Imagination. New York and London: Routledge, 2003. p. 203-224. 

WILLIAMS, Linda. Film Bodies: Gender, genre and excess. Film Quarterly vol. 44, no. 4 (Summer 1991), p. 2-13. Acesso em: 13 nov 2017.

quinta-feira, 26 de abril de 2018

GUEST POST: SOU A ÚNICA FEMINISTA DA FAMÍLIA

Publico aqui o guest post da S., que pediu para não ter seu nome divulgado. 

Eu confesso que nem sempre fui feminista; isso é algo que veio de uns tempos pra cá, após certas observações e frustrações sobre a mulher ter que ser algo que não se sente confortável para agradar homens e outras mulheres, criando uma competição eterna entre nós. A afirmação de que as crianças não nascem preconceituosas é verdade. A família é um laço muito forte, mas hoje eu questiono atitudes que não fazia antes. 
Eu cresci em uma família conservadora -- não politicamente liberal, apenas conservadora, algo que algumas pessoas confundem. Até aí, normal. Afinal, quem nunca esteve em uma família conservadora? Eu cresci ouvindo o quanto uma mulher é diferente de um homem -- sendo minha família, em sua maioria, mulheres --, mas só. Na verdade, eu vi o machismo mais do que ouvi. 
Coisas simples do dia-a-dia como, por exemplo, as mulheres serem chamadas para lavar a louça enquanto os homens se esparramam no sofá, assistem a filmes e conversam sobre política. Não tenho problema algum em lavar a louça nem limpar a casa; faço questão até, mas sempre me incomodou esse comportamento. E não importa a idade que a pessoa tem: seis anos? Já pode lavar a louça. É menino? Deixa ele brincar, é moleque. 
Inclusive, me irrita essa conclusão de que as mulheres amadurecem mais cedo que os homens. Eu posso afirmar categoricamente que os meninos têm uma grande oportunidade de evoluírem emocionalmente, assim como as meninas. Acontece que as meninas são cobradas mais cedo. Os meninos parecem não ter essas responsabilidades básicas como recolher a cueca suja do quarto ao invés de fazer a mãe colocar no cesto de roupas, tirar o prato da mesa e -- pasmem! -- estudar... Eu não sei, acho que ninguém morre no meio do caminho por conta de fazer coisas que seus pais (e principalmente as mães) não podem -- nem devem -- fazer por você. 
Eu não sei qual sua descendência, Lola [Minha família é toda argentina e veio pro Brasil quando eu tinha 4 anos], mas minha família não é somente conservadora -- ela é italiana. Uma família tradicional italiana é conhecida como orgulhosa de sua gente, como histérica, que fala alto e educa os filhos com a famosa psicologia da palmada. É um convívio diário difícil, pois as discussões sempre chegam em um patamar de gritos. A minha geração é mais tranquila, então me assusto com certas coisas, embora já me acostumei. 
Certa vez, fomos visitar um velho amigo da família, também descendente de italianos. Entre recordações da infância, o homem começou a contar uma história sobre a filha dele, que tinha um ar de rebeldia, quando ela era adolescente. Após algumas brigas e expulsões, a moça retornou um dia e passou reto pelo pai, que a pegou pelos cabelos e bateu nela diversas vezes. Entre os risos da história muito engraçada, meu estômago embrulhou. Isso é normal? Eu perdi a piada? O pai arrebentou a filha e ainda a ameaçou dentro de casa por conta de ela ter saído sem avisar!
Volta e meia eu ouço sobre as namoradas de um parente de vinte e poucos anos. Ele é um rapaz namorador, desde pequeno. Eu nem sei contar quantas namoradas ele teve desde os onze anos, mas as consideradas “vadias”, talvez. As coisas mais absurdas que eu ouço é “que as meninas hoje em dia estão muito assanhadas”. Mas, e seu filho? “Elas pegam todos os homens que veem”. Mas, e seu filho? “Que aquela ali, no futuro, vai ser uma prostituta”. Mas, e seu filho? 
Eu sou uma mulher e eu tenho que ouvir essas coisas da minha família! Eu tenho que estar em uma reunião familiar e, logo depois de um divertimento, algo light, onde todos nós rimos, alguém fala algo machista. Onde eu tenho que ouvir uma piadinha de um parente logo de manhã, afirmando como é um estorvo uma mulher na vida de um homem e ainda finalizar com: “O mais ignorante dos homens chega a matar a mulher, de tão insuportável", seguido por risos. 
Eu sou a única feminista na família. Nem mesmo uma prima mais nova que eu pensa da mesma forma. Eu me sinto em uma ilha, onde eu vejo diversas atitudes grotescas. Sou o tipo de pessoa que não bate de frente em circunstância alguma. Eu apenas ouço e fico mal, remoendo, me desanimando quanto às poucas influências feministas que eu tenho ao meu redor. Infelizmente, Lola, eu estou me afastando deles cada vez mais. 
Eu não consigo conviver com pessoas que, amanhã ou depois, se eu ficar com vários homens, me vestir como quero, ter uma liberdade sexual, não vão aceitar nada disso em mim. Sinceramente, para os homens que acham quão horrível a mulher é na vida de um homem, eles não são um terço, pois quem ainda lava as roupas e decide as contas de casa somos nós.