sábado, 2 de dezembro de 2017

SE ASSÉDIO SEXUAL E AGRESSÃO FOSSEM TRATADOS COMO TERRORISMO

As acusações contra o produtor de cinema Harvey Weinstein já chegaram à impressionante marca de 84 mulheres
Isso tem gerado um enorme rebuliço não só em Hollywood, mas em todos os EUA. A campanha #MeToo (Eu Também) encorajou milhares de mulheres a denunciarem assédio sexual e estupro. Minha dúvida é: esse incentivo para não se calar e a tendência a acreditar nessas denúncias serão algo permanente? Chegaram ao Brasil
Pedi pra maravilhosa Denise, que mora na Austrália e está prestes a ter seu segundo filho, pra traduzir este artigo provocativo da escritora Julian Vigo publicado no Counterpunch. Obrigada, Denise!

Ao falar com amigos sobre o sexismo pós-Weinstein -- se realmente pudermos fingir de forma coletiva que Harvey Weinstein seria, de algum modo, um ápice no mundo da predação sexual -- a maioria das mulheres com quem eu falei está profundamente preocupada com o fato de que essa questão acabará por desaparecer, coberta pelos escombros de notícias mais recentes. 
Clique para ampliar e ler o q
Lena Headley (Game of
Thrones
) diz sobre Weinstein
As mulheres sabem que o sexismo não é nem novo, nem está indo embora. Empilhar camadas sobre camadas de outras notícias sobre este assunto não ajuda o debate cultural e a necessária cura social que precisa ocorrer na mesa de jantar, na pausa pro cafezinho no trabalho, no trânsito, com a família e através de meios de comunicação.
Em vez desses diálogos acontecerem, no entanto, a mídia apenas lança uma outra edição de Weinstein sob a forma de uma figura masculina mais recente. Então foi Ben Affleck, Oliver Stone, Bob Weinstein (irmão de Harvey), Roy Price e então Kevin Spacey. Na verdade, há uma crescente lista de homens. As acusações variam desde avanços sexuais inapropriados até estupro e há investigações policiais em curso acerca de muitas das acusações contra Weinstein para as quais ele provavelmente precisará de representação legal e talvez possa pegar uma pena de prisão.
Muitos editoriais surgiram discutindo os perigos da recente cascata de mulheres (e alguns homens) que estão emergindo com suas próprias histórias de assédio sexual e agressão. Um deles chega a se referir ao escândalo de Affleck como “inspirado” pelas acusadoras de Weinstein, como se de alguma forma as mulheres não pensassem autonomamente sobre as consequências profissionais e pessoais de ir a público com as acusações. 
Não se envergonhe da sua
história. Ela inspirará outras
Certamente há mais segurança para ir a público agora, uma vez que a narrativa de predação sexual está sendo abraçada por um público que empatiza com as vítimas. Mas com que finalidade? E por quanto tempo esta tendência da mídia irá se traduzir em mudanças sociais reais e uma compreensão mais profunda de como podemos abordar melhor o assédio sexual quando ele ocorre e como analisar as estruturas sociais mais profundas que reforçam a “tradição” aceita de predação sexual masculina?
Por exemplo, Brendan O'Neill questiona a força atual de “vingança coletiva”, segundo o qual as alegacões das mulheres de assédio sexual e estupro resultam no paradigma da “santa acusadora”. E à medida que a mídia divulga quase que diariamente um ator, um importante chefão da indústria, um diretor de cinema, que um dia foi um predador, devemos nos lembrar do devido curso da justiça perante a lei. 
Da mesma forma, agora temos Brian Cranston incentivando as pessoas a perdoarem Spacey e Weinstein, sugerindo que há um lugar para eles em Hollywood. A audácia é opressiva do meu ponto de vista no sentido de que há agora uma micro-narrativa sendo lancada de que nós “precisamos” perdoar esses homens. E isso aconteceu depois que as narrativas de reabilitação surgiram para ambos Weinstein e Spacey. O último ator a vir a público e ter admitido que as histórias são verdadeiras, Louis C.K, também juntou uma declaração de mídia que misturou cuidadosamente a história de seu amadurecimento envolvendo suas mulheres vítimas como uma parada para encontrar sua humanidade. Oh, tão fofo!
A gente imagina se a recuperação de um vício não faz parte deste espetáculo midiático para que esses homens se redescubram.
Embora as muitas críticas em torno da predação sexual sejam amplamente razoáveis, todas elas evitam a questão central: a violência masculina como núcleo estrutural da nossa sociedade. E essas estruturas estão cheias de problemas da violência masculina -- de cima para baixo, e depois de volta, para incluir a colaboração da mídia no caso de Weinstein ter sido rechaçado pelo New York Times anos atrás. 
E, em seguida, paradoxalmente, a NPR fez uma hitória esta semana sobre como os jornalistas do Times, Jodi Kantor e Megan Twohey, “lançaram em primeira mão” a história de Weinstein. Mas esta história é a mesma que o próprio jornal havia varrido pra baixo dos panos treze anos antes. É quase cômico como o NPR dá ao New York Times crédito por “lançar a história em primeira mão”, quando isso é o inverso do que realmente ocorreu em 2004.
Onde a mídia tem desempenhado um papel, como sabemos agora, em acobertar Weinstein, a história finalmente foi levada a público com vários jornalistas já tendo divulgado que sofreram ameaças de ações judiciais por parte de pessoas associadas a Weinstein. Quanto mais tempo passa com todos esses casos recém-revelados, o que está claro é que todos sabiam o que estava acontecendo e que há uma “cultura do silêncio” em Hollywood que mantém em vigor essa cultura de predação. 
Passemos para Kathy Griffin que recentemente revirou os olhos ao se referir à declaração de um repórter de que George Clooney “não tinha ideia”. Ela então diz: “Eu não posso acreditar que esse cara não sabia. Eu sabia. E eu não estou na indústria de filmes.” Griffin continua dizendo que cada chefão de estúdio “se comporta desse jeito e todos os acobertam”. E um silêncio desconfortável caiu sobre a cena. Um dos jornalistas mudou o assunto para Kim e Kanye.
E é aí que minha mente começa a se mexer com as revelações diárias de abusadores sexuais, a grande maioria dos quais, ao contrário de Kevin Spacey, são predadores de mulheres. Como pode que a violência contra as mulheres tenha recebido uma prioridade tão baixa pelos governos, pela polícia, pelos sistemas judiciais, e assim por diante, que isso signifique que as mulheres têm que se reunir em massa para revelar algumas (nem perto da maioria) das suas histórias de abuso sexual naquela breve janela de tempo antes de serem chamadas de “putas” ou “mentirosas”. É como se as mulheres não existissem, exceto como um capítulo na vida dos homens. Naquele capítulo onde, como o filho pródigo, esses homens chegaram ao reconhecimento de sua própria humanidade com as mulheres como o campo de jogo para a sua jovem semeadura de aveia.
Embora eu esteja mais do que feliz que a questão do assédio sexual está sendo destacada, eu me preocupo que as razões estruturais para a predação sexual estejam sendo enterradas mais fundo, sob as histórias de pedofilia. Certamente a pedofilia é uma questão social a enfrentar, mas a predação de crianças pequenas e mulheres simplesmente não é desmontável em uma única unidade, como se o sexismo estrutural não existisse. 
Por isso tantos homens estão vindo pra cima das mulheres com uma #AllLivesMatter (Todas as vidas importam) através da pilha social #MeToo nas últimas semanas e as entrevistas com homens como Hugh Grant para comentar sobre a predação sexual. É quase como se as mulheres devessem estar agradecidas aos pedófilos para que nossos problemas pudessem ser destacados. Pouco importam as mulheres, pelo que parece.
E então eu me lembrei do 11 de setembro e de como a cobertura da mídia correu sem parar por meses! E eu nem estava no hemisfério ocidental durante o 11 de setembro! Dia após dia, a cobertura sem parar desse horrível evento continuou por semanas, meses. Recebemos relatos atrás de relatos do que todos viram, ouviram e ouviram dizer que alguém viu. Se eles estavam caminhando para a padaria, numa plataforma de metrô, ou compartilhando memórias de um colega falecido, por literalmente meses foi mostrado ao mundo o efeito total do terrorismo sobre a vida das pessoas em Nova York e além. Quase 3.000 pessoas morreram naquele dia e as notícias estiveram concentradas nessa cobertura por meses.
Pulemos para as mulheres, e a linguagem de urgência é diminuída. De acordo com as estimativas das Nações Unidas de 2015, existem 101,8 homens para cada 100 mulheres. Isso significa que pouco menos de 50% do planeta, que atualmente é de 7,6 bilhões, sofre desde assédio sexual a violência sexual. Dado que todas as mulheres experimentam discriminação sexual de uma forma ou de outra ao longo de suas vidas e que as estimativas conservadoras calculam que 35% das mulheres tenham sido agredidas fisicamente ou sexualmente, a urgência de enfrentar os graves problemas estruturais do patriarcado deve ser abordada de forma mais urgente do que a Guerra Global contra o Terror.
Hadley Freeman escreveu isso recentemente sobre o estado dos direitos das mulheres atualmente: “No momento em que as histórias de assédio começaram a emergir do jornalismo, da política, das artes, pareceu que talvez não se tratasse de uma única indústria, algumas maçãs ruins aqui e ali. Trata-se dos homens como um todo.” Ela sugere que os homens permaneçam em casa e tirem uma pausa da vida pública. Embora eu tenha rido ao ler o artigo de Freeman, a realidade é que não só o que Freeman sugere de brincadeira precise acontecer para acabar com esse tipo de assédio e estupro de mulheres no ambiente de trabalho, mas, infelizmente, por causa do poder dos homens em todas as indústrias do planeta, o confinamento de homens em suas próprias casas simplesmente nunca aconteceria. Infelizmente, apesar de toda política preventiva que existe hoje, os recursos que temos para enfrentar a violência masculina e o patriarcado estrutural não estão sendo utilizados para criar um mundo mais justo para as mulheres.
Meninos serão... vistos como
responsáveis pelas suas ações
Sejamos realistas, quando Bernie Madoff roubou bilhões de dólares de investidores, rapidamente se promulgaram reformas para evitar fraude futura e amplificar mecanismos de denúncia de fraude. E os meios de se manter as práticas empresariais e a troca de valores mobiliários de forma ética não são mais difíceis, em termos práticos, do que garantir que mulheres possam trabalhar, andar de transporte público ou estar embriagadas em uma festa sem serem sexualmente agredidas. O que seria necessário para acabar para sempre com o assédio sexual, a exploração e a violência contra as mulheres? 
Podem esses abusos estruturais ser encerrados através de uma abordagem de modelo de negócios? Por exemplo, e se os serviços de marketing juntassem uma equipe responsável em repensar a estratégia, como se estivesse reestruturando uma empresa? Em seguida, um plano poderia ser definido para reeducar os homens em torno de questões como violência, estupro, consentimento, igualdade econômica e educação? Então, eu me pergunto, se o modelo de negócios é efetivo e robusto o suficiente.
Isso me levou a refletir: e se o sexismo, em todas as suas encarnações culturais -- do assédio nas ruas ao assédio sexual no escritório, a dizer às crianças meninas que sua humanidade importa menos do que seus corpos, ao estupro, ao tráfico sexual, aos muitos que dissolvem as estruturas intrinsecamente sexistas chamando a escravização sexual de “trabalho sexual” -- fosse realmente tratado como uma emergência nacional? E se abordássemos o sexismo como fizemos com o 11 de setembro, quando todo o país e a mídia entraram em bloqueio simultâneo e visão restrita focada no horrível ato de terror? Como seria se ataques sexuais fossem tratados como terrorismo?
Eu diria que a Guerra Global contra o Patriarcado poderia se inspirar nos anos de operações militares prolongadas e ilegais e na colonização de grandes extensões do Oriente Médio. Eu chamaria essa fase da operação do que a comediante e escritora Jena Friedman se refere como “controle dos homens”. Se a violência e o assédio das mulheres fossem considerados tão seriamente como terrorismo, veríamos unidades armadas marchando pelas ruas e homens sendo regularmente parados para serem revistados por drogas usadas em estupro, pornografia e coisas do gênero. E isso é apenas o começo.
Não vai demorar muito até que
aconteça comigo também
Veríamos currículos escolares repletos de lições sobre igualdade de sexo, sobre sexualidade que inclua a voz de fala feminina, e as lições sobre consentimento que incluam o fato de que uma mulher que está dormindo ou desmaiou não está dizendo “sim”. Poderiam haver testes de visão especiais para os homens que têm inclinação para dizer a grupos de mulheres: “O que você está fazendo aqui sozinha?” Talvez haja um registro especial para todos os homens que devam entrar em um prédio kafkaniano para reportar seus movimentos ou, melhor ainda, façam o que Hasan Elahi fez e apenas denunciem automaticamente seu próprio paradeiro.
E quando os homens surgirem com desculpas para esse comportamento ou vierem com um “Eu nunca soube”, vamos trazê-los de volta aos escritórios da Segurança Vaginal para interrogá-los, apenas para descobrir quando eles realmente tomaram conhecimento.
Estou brincando? Claro que estou. Eu preferiria viver em um mundo onde não se assume que as mulheres são objetos sexuais dos homens e onde nós somos vistas exatamente como os homens. Você sabe, com vontades subjetivas, ideias, criatividade e uma vida interior. Imagine isso.

2 comentários:

Anônimo disse...

Só existe um método eficiente de combater isto, inibir a sexualidade hetero predatória masculina.
É mulheres pararem de idealizar sexo com opressores, ou seja homem.

Anônimo disse...

https://brasil.elpais.com/brasil/2017/11/30/internacional/1512052881_215572.html